Ser assexual é não sentir vontade transar. A letra A da sigla LGBTQIA+ é um espectro com diferentes níveis de intensidade e categorias.
Aos 18 anos, *Julia se apaixonou pela primeira vez. Moradora de Maceió, ela conta que gostava da companhia, da conversa e dos abraços e beijos que trocava com o namorado. O relacionamento fluía naturalmente, com boa conexão. Havia atrações romântica, vontade de manter o compromisso, e emocional, desejo de aprofundar a intimidade, confiança e cuidado. Porém, Julia não tinha vontade de transar com o parceiro – e, quando rolou, não se sentiu confortável.
Quatro anos depois, após muitas dúvidas e receios, Julia conheceu pessoas parecidas com ela na internet. “Li relatos de relacionamento em que a atração romântica era muito mais latente do que a sexual”, afirma. Hoje, aos 26 anos e solteira, ela diz que pode namorar novamente, desde que exista um acordo de respeito mútuo e que o sexo não seja um elemento importante na vida do casal.
“É difícil de entender que alguém seja assexual num mundo sexual”JÚLIA
Ser assexual é não sentir necessidade e vontade, total ou parcial, de fazer sexo. Diferente do celibato ou abstinência sexual, a assexualidade não é uma escolha, e sim uma característica de pessoas que vivem bem sem sexo.
Importante frisar a questão da escolha, pois é o que diferencia a assexualidade da hipossexualidade, uma patologia em que a pessoa não sente o desejo que gostaria, o que causa incômodo e sofrimento.
Embora pouco discutida, estimativas apontam que cerca de 7,7% das mulheres brasileiras e 2,5% dos homens, entre 18 e 80 anos, são assexuais segundo dados de 2017 do Programa de Estudos da Sexualidade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (ProSex-IPq).
Outro lance é o fato de que assexuais podem buscar e sentir prazer. Uma pesquisa de 2017, da entidade americana Archives of Sexual Behavior, apontou que 50% das mulheres assexuais e 75% dos homens se masturbam normalmente e têm fantasias sexuais – eles apenas não sentem atração sexual por outros indivíduos.
50 TONS DE NÃO DESEJO
A assexualidade é um espectro, com diferentes amplitudes e intensidades. Pessoas assexuais vivem relações de maneiras distintas, inclusive há algumas que até transam ocasionalmente. As principais categorizações da assexualidade são:
- Assexual estrito: não sente atração sexual nenhuma.
- Demissexual: sente atração sexual somente quando há uma conexão emocional.
- Greyssexual: sente atração sexual em circunstâncias específicas.
- Assexual Fluído: alterna entre os diferentes níveis de falta de desejo.
A assexualidade é considerada uma orientação sexual dissidente. É representada pela letra A na sigla LGBTQIA+, mas não tem nada a ver com ser ou não hetero ou gay. O que pode acontecer é ser assexual e, ao mesmo tempo, ter orientação romântica. Nesses casos, há mais uma série de categorias:
- Birromântico: atração romântica pelo gênero masculino e feminino.
- Heterorromântico: atração pelo gênero oposto.
- Homorrômantico: atração pelo mesmo gênero.
- Panromântico: sente atração romântica independente do gênero e sexo do outro.
Por sua vez, Arromântico é quem não sente atração romântica por ninguém.
O carioca *Danilo, de 44 anos, conta que por muitos anos teve dificuldade de se entender e se identificar. No passado, inclusive, via o seu comportamento como “romântico demais”. O assunto foi um tema recorrente nas sessões de terapia.
A situação mudou quando, mesmo se entendendo como assexual, Danilo se apaixonou por um rapaz mais novo. Para a sua surpresa, o desejo sexual apareceu.
“A conexão emocional era essencial para eu ter vontade de transar. Me dei conta que era Demissexual, e que não havia nenhum problema comigo”DANILO
Após sete anos de namoro, Danilo terminou o relacionamento. Hoje, ele se entende como greyssexual.
CONTEÚDO E ACOLHIMENTO
A assexualidade é rodeada por algumas inverdades. Uma delas é que pessoas assexuais ainda não encontraram um parceiro bom o suficiente que as façam sentir tesão – a similaridade com comentários que mulheres lésbicas ouvem de homens não é coincidência, é tudo machismo!
Com o intuito de orientar, tirar dúvidas e produzir conteúdo relevante, por quem entende e vive o assunto, há diferentes comunidades e grupos digitais em que assexuais dividem experiências, apoio e acolhimento.
Criada pelo pernambucano Júlio Neto, a Comunidade Assexual agrega pessoas de todo o Brasil. Desde 2019, o grupo produz pesquisas e conteúdos informativos, com foco em ser um ambiente seguro para a comunidade.
Fundado em 2018, o Coletivo AbrAce é voltado a educação e visibilidade sobre assexualidades. No nome, destaque para “ace”, abreviação fonética de “assexual”. Criada pela paulista Sara Hanna, a instituição busca promover políticas públicas de conscientização e proteção de assexuais, demissexuais e pessoas trans e não-binárias e demissexual.
“Para nós, assexuais, é muito danoso viver numa sociedade permeada por sexo”, diz ela.
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