É um ensolarado 20 de novembro, Dia da Consciência Negra no Brasil. O clima é desafiador quando o assunto é justiça, igualdade e empoderamento dos negros que lutam contra diversas formas de opressão. A data homenageia Zumbi dos Palmares, o mais proeminente líder da resistência contra a escravidão e um símbolo da luta pela liberdade.
A consciência negra é uma transcendência que conecta gerações, e seu apelo é forte entre os jovens. Recentemente, a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) trouxe o tema “Desafios para a valorização da herança africana no Brasil”, permitindo a reflexão dos estudantes sobre os obstáculos enfrentados para manter viva a identidade afrodescendente.
“O tema é atual e importante para reafirmar o lugar de direito dos nossos antepassados na narrativa da história do Brasil. Ainda que na condição de escravizados, os negros foram civilizadores e, com sua cultura cheia de cores e sabores, encheram a vida dos brasileiros de alegria africana. Aos seus descendentes restou encontrar sua identidade como brasileiros, construindo um imenso legado. Os ensinamentos do povo africano servem como uma luz a guiar os movimentos de justiça social hoje. As ideias de Zumbi dos Palmares continuam a permear gerações e nos lembram de que a luta é contínua contra a injustiça, a desigualdade social e a discriminação que ainda prevalecem no país”, disse a estudante Maria Fernanda Dionello.
Para entender o significado dessa luta, é preciso perguntar: os negros se livraram dos grilhões que os prendem ao racismo estrutural? A aposentada Rosilda Alves da Silva afirma que não. “O Brasil foi o último país da América a abolir a escravidão. Tardou demais. Na época da minha mãe, as mulheres negras não tinham direito ao voto nem mesmo de escolher o marido. Temos muitas coisas para mudar, pois ainda existem problemas na admissão de funcionários negros, que ficam por último a ser avaliados, mesmo tendo pós-graduação e mestrado. Infelizmente, os estereótipos ligados à marginalidade, criminalidade e prostituição continuam a ser associados à população negra. Mesmo com a política de cotas, o Brasil ainda é profundamente desigual”, afirmou Rosilda.
Não é só a opinião de Rosilda. Os dados comprovam que muito precisa ser feito para que os negros – aproximadamente 56% da população do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – tenham seus direitos respeitados. Estudo da Rede de Observatórios da Segurança revela que, entre 4.025 pessoas mortas por policiais em 2023, 87,8% eram negras. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), crianças e adolescentes pretos ou pardos representam 65,2% dos jovens em situação de trabalho infantil no país. O mesmo instituto mostra que, no ano passado, a população negra apresentou taxas de desemprego superiores à média nacional em comparação à população branca, cuja taxa foi de 5,9%.
Conforme o relatório do Atlas da Violência, divulgado em junho pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre os anos de 2012 e 2022, dos 609.697 homicídios registrados, 445.442 das vítimas eram pretas e pardas, o que corresponde a 73% do total de mortes no Brasil, sendo mais da metade delas jovens com idades entre 15 e 29 anos. O estudo aponta ainda que, no Brasil, 111 pessoas negras foram mortas por dia, uma soma 2,7 vezes maior do que o número de pessoas não negras assassinadas no país.
Vulneráveis e sem emprego, infelizmente, aqueles que construíram os alicerces da nação ainda se encontram dela excluídos. Se os abolicionistas do século XIX estivessem vivos hoje, provavelmente teriam uma reação de indignação e fariam um novo movimento, inclusive utilizando o mesmo tema da época: “A oportunidade para os negros”. Também ficariam frustrados com a pouca presença de negros em espaços de poder, com a violência e a persistência do racismo. Por outro lado, comemorariam os avanços dos movimentos negros e da luta pela igualdade, das organizações de defesa dos direitos humanos, bem como as vitórias políticas e culturais que celebram a identidade negra.
“Eles veriam que, apesar do fim da escravidão, a igualdade de oportunidades ainda não foi plenamente alcançada, com muitos negros enfrentando desafios em áreas como educação, emprego e segurança. Provavelmente, defenderiam a importância do mérito e da responsabilidade individual para o progresso. Destacariam o papel da família e dos valores culturais na superação das desigualdades, sugerindo políticas que reforcem esses aspectos e ajudariam a construir uma sociedade mais justa. Eles veriam o Estado como um aliado importante, mas enfatizariam também o papel de instituições privadas, religiosas e comunitárias”, destacou a assessora jurídica da Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul (ALEMS), Raquel Correia, autora do livro “Escravidão: uma face da dor”, uma releitura do processo escravocrata no Brasil.
Ações legislativas
Neste ano, pela primeira vez, o Dia da Consciência Negra será feriado nacional. Até o ano passado, a folga para o trabalhador neste dia dependia de leis municipais ou estaduais. Mas, em 29 de novembro de 2023, os deputados federais aprovaram o projeto de lei que declarou o dia 20 de novembro feriado nacional. A medida foi sancionada pelo presidente Lula em dezembro.
Em Mato Grosso do Sul, a Lei Estadual 3.318 de 2006, de autoria do ex-deputado Humberto Teixeira, instituiu a mesma data para as comemorações estaduais, determinando que “deverão ser divulgadas a cultura negra, a origem de seus povos, os efeitos da colonização, seus mártires, a contribuição na formação e desenvolvimento do nosso país, a situação atual dos povos e seus descendentes da África no Brasil e no resto do mundo”.
Para tanto, o portal da ALEMS reúne as iniciativas parlamentares ao longo das legislaturas, na página multimídia especial ALEMS Antirracista, produzida pela Gerência de Site e Mídias Sociais, da equipe de Comunicação Institucional, com um vasto material que pode ser acessado gratuitamente aqui.
Outro produto da Comunicação da Casa de Leis voltado ao enfrentamento do racismo é o livro infantil “Preta, rainha nascida do céu e da terra: uma história sobre a beleza da diversidade” (clique aqui e confira o livro).
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Por: Heloíse Gimenes Foto: Luciana Nassar
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